domingo à tarde no cinema d'avenida

tetaro aveirense recuperado
Domingo à tarde no cinema d' Avenida.
Eu era mais no Teatro Aveirense.
Sinto uma certa nostalgia do ritual e requinte que era em ir ao cinema!

O teatro aveirense ou o cine teatro avenida  (agora edificio nem sei de quê) eram uma parte importante do nosso espaço social, lúdico, cultural e de iniciação aos amores!

Não íamos consumir um filme. Íamos ver um filme numa tarde de cinema!

Todos apinocados, bem cheirosos  e roupa domingueira, como mandavam as regras, tinhamos encontro marcado no café Ria ou no café Trianon, já desmantelados, para a "bica" e delinear estratégias silenciosas que assegurassem um assento junto de quem se pretendia!

Os espaços do teatro eram amplos e asseados.
As pessoas de serviço à plateia, ao primeiro balcão e ao piolho (é assim como o sotão das casas, mas com muitas escadas e cadeirinhas de pau) estavam perfeitamente identificadas pelo uniforme.
Mais identificados estavam  dois distintos e reluzentes bombeiros, com a farda  e os capacetes de domingo, encostadinhos à lateral e  atentos aos fumos no teatro das operações.

Passávamos pelo bengaleiro, (que devia ser casaqueiro ou chuveiro, pois ninguém tinha bengala), para depositar os casacos ou  guarda chuvas em troca de uma chapinha numerada, que teríamos de devolver ao levantar os pertences.

Caso chegassemos com a sessão iniciada ou não soubéssemos a fila e numero da cadeira, pedíamos apoio ao "lanternas".
«O "lanternas" era um senhor devidamente fardado, em azul escuro, com botões e rebordos em dourado, tipo paquete de hotel hollywodesco, que nos conduzia, quando solicitado, aos lugares indicados nos bilhetes, e ficava assim meio taxa arreganhada, com a mão meia encolhida, meia estendida, à espera da gorja.
Tinha azar com a gente, tinha sorte com os "senhores"!
O "lanternas" garantia, através de fiscalização auditiva rigorosa, o silencio da sala.
Depois da "casa" arrumada e iniciada a sessão, ficava no fim da plateia, de transistor ao ouvido, muiiiiiiito baixiiiiinho, a atualizar-se no relato da bola, e dos resultados dos outros jogos, que se realizavam todos ao domingo, e todos às 15:00 h.»

Tliiimmm-tlooommm...tliiimmm-tlooommm

Toca a entrar ca sessão vai começar!
Caminhar para a cadeirinha não tinha  aquela gosma colada aos pés,  tchac... tchac...tchac... tchac... do açucar apipocado e cocacolado das salas d'hoje.
Aconchegados observávamos o cair da noite,  va-ga-ro-sa-men-te, numa tarde de cinema.

E zás!!!... Filmes Castello Lopes apresenta: "Assim vai o mundo"

E que mundo ... no escurinho do cinema o coração acelerava a mais de 100 á hora, e as mãos, a medo, desenhavam curvas e retas ao encontro de outras mãos... Ufff!!!... que labirinto de calores e suores...  Nem dava para ver como ia o mundo, nem o Castello Lopes, nem os trailers dos filmes para os dias seguintes....nem os "brevemente"...

Intervalo

Ainda bem, para acalmar o 100 à hora e as vontades.
Regressa o dia nos espaços do cinema... e tudo a fumar!...Quase não se via um boi à frente dos olhos! Tudo co cigarro nos queixos!...

Tliiimmm-tlooommm...tliiimmm-tlooommm

Reentrada pró escurinho do cinema... e pró emaranhado de mãos, segredos e olhares d'irem às nuvens... sem tempo, nem lucidez, para ver os desenhos animados do gato silvestre (apanhava sempre na tromba) que passavam antes do filme...

Sem crrac...crrac...crrac...crrac... da pipocada, nem uuuuff...uuufff...uuuff... grrouf...grrouff... da cocacolada, (grrouf é quando chegou ao fim) porque era proibido, e o lanternas estava atento, partilhavamos um rebuçado de silencio e encanto, num filme de promessas até ao fim do mundo, que ia iniciar...

Intervalo
Outra vez dia... outra vez as cigarradas...outra vez acalmar as vontades!

Tliiimmm-tlooommm...tliiimmm-tlooommm

E de volta ao escurinho do cinema para a ultima parte do filme, era continuar o tudo mais do mesmo, como no episódio anterior!...

The End. Palmas aos artistas.

E na noite da rua, de mãos assumidas, começava outro filme. Às vezes eram curtas metragens!

Domingo à tarde no teatro aveirense, os filmes da treta podiam ser bons e os filmes bons podiam ser da treta, como em tudo na vida, dependia dos artistas. E das vontades!
Os filmes potentes aqueles de fazer corar um santo, vistos do piolho, para fugirmos ao rigor da idade, eram  sempre "bons". Como não haviam manuais de educação sexual nas escolas, tinhamos que ir ao Teatro Aveirense.
Ca festa!





















































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