As Tabernas

As Tabernas
(Baseado na taberna da minha aldeia.)
As tabernas eram (são) um autêntico facebook, personalizado, directo, d’olhos nos olhos, tinto no tinto e branco no branco.
No “mural” do balcão, ou sentados nos bancos corridos, emborcava-se um tinto, direitinho da pipa, (agora é da garrafa ou das boxes) até chiava…hiihihihihiihihihiih e, se chegava mais um amigo, mais uma chiadela… e mais uma chiadela… assim sucessivamente e o ultimo principalmente….

As “gajas seminuas”, penduradas nas paredes, junto ao poster do clube do coração, indicavam os dias e os meses do ano, (sem estas meninas nem sabíamos a quantas andávamos), um papagaio (o jacob) ou um periquito, umas grades de cerveja empilhadas a um canto e um rádio Philips, de botões e teclas brancas e negras, que ao ligar fazia: ooiiinnnn….iioooonnnn, tchtchtchtchctch….ionnnn… compunham o ramalhete, até faz lembrar o Eça e o Pessoa, aqueles grandes poetas.

A atmosfera tabernal tinha um odor vinícola que misturado com o odor masculino do trabalho, dava uma solução potente, possibilitando assim umas peidolas e bufolas sem ninguém dar conta e, quem dava conta, resmungava, mas nada adiantava, pois o oprimido já estava em liberdade e era habitual, tudo gente da aldeia, conhecida e da casa.

As tabernas mais antigas (ainda visitei uma, duas) com o piso em terra batido, possibilitavam à malta mandar umas “bisgas” (cuspidela) para o chão, pois este absorvia-as. Embora não fosse lá muito higiénico, evitava interromper uma conversa para ir à rua, ou à retrete, ou o desdobrar do lenço de bolso (era um nojo ouvir o descolar do lenço e de seguida outro nojo ver o autor da proeza a admirar a produção, antes de o dobrar). Com as higiénicas tijoleiras de cerâmica acabaram-se as “bisgas” no chão, era perigoso, mesmo sem tinto, um gajo podia estatelar-se ao comprido no piso escorregadio.

Algumas tabernas tinham uma parte privada, interdita a menores de 18 anos, (rigorosamente cumprido pelo taberneiro e mal aceite pelos menos de 18 anos) destinada aos jogos da sueca, da bisca, da lerpa, do sete e meio, do dominó, das damas ou dos matrecos, espaços com um vocabulário muito mais rico em “caraiss”, “fodazzeess” e… outras coisas…que pariu…

“Confirmar amigos” na taberna podia ser acompanhado com tremoços, amendoins, azeitonas ou línguas de gato e um copito, se fosse para “confirmar muitos amigos ou grupos” o acompanhamento já era com uns janquinzinhos, petinga, iscas, pataniscas de bacalhau, torresmos, ovos cozidos (que estavam num prato de esmalte com sal grosso), pão de segunda e copos de três (medida especifica de um copo e que três copos dava mais ou menos um quartilho de vinho (meio litro)) ou um parafuso (um copo alto carregadinho de vinho).


Podia-se beber de penalty (beber o copo de uma só vez, ás vezes tinha-se que repetir porque o guarda redes mexia-se antes do copo partir) ou aos bochechos, para lavar os dentes. O bagaço, o traçado (bagaço+anis), o porto, o ponche ou anis, eram bebidas espirituosas, daí que perto das igrejas e capelas havia sempre uma taberna (espirituosas/espiritual, tem tudo a haver). A cervejola (com álcool) era a “gaja fina”, não acessível a todos…

No fim de confirmar os amigos e a amizade, uns arrotes de satisfação e, distraidamente, sem dar por isso, há que limpar a “cramalheira” com aquela unhinha compridinha do dedo mindinho (um exclusivo masculino) que também era utilizada no ouvido, no nariz ou a coçar o caspão… Um mindinho multifunções, mais prático que o canivete suíço, pois está sempre à mão (a ASAE ainda não se lembrou da unhinha). Quem não tinha unhinha a preceito, utilizava a chave do carro...

(Por falar em unhinha. Lembrei-me de um amigo da escola industrial e comercial de Aveiro (EICA) que tinha uma unhinha destas, bem comprida e tratada religiosamente. No inverno para calçar a luva, ele resolveu o problema com um corte arredondado no mindinho da luva de modo a poder calça-la e manter a unhinha arejada. Um sucesso.)

Voltando à taberna. As bebidas eram todas naturais, sem corantes, nem conservantes, (excepto laranjadas, pirolitos e gasosas) e faziam efeito se consumidas acima da média, como era difícil calcular a média um gajo, sem saber como, ficava grosso, ou apanhava uma carraspana, ou uma cadela, ou uma cagueira, ou uma tosga, ou um pifo, ou uma carroça (tudo menos bêbado) e estrada fora, era cada zig zag… às vezes mais zig que zag e outras vezes mais zag que zig. … puta que pariu…. E para chegar a casa?...uuiiii… e para entrar em casa?... uuiii...uuiii…. e se a casa tinha escadas? Uuiii…uuiii…uuiii… Era de gatas…
Mas não eram todos, só os habituais…tal como hoje…

Conversa de amigos à saída da taberna

E quando iam 2 pifos à conversa… Entre um zig e um zag, uma paragem e um cambaleamento frontal ou um balanceamento lateral, lá vinha o paleio do costume:
-Tu és mesmo meu amigo, não és!!!??...
-Fodazze, já sabes que sou!
- Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém!!!!....
- E o que é?...
- Mas prometes que não contas a ninguém?
– Prometo!... Sou teu amigo ou não sou, "caraiss"?...
– Quando te contar até vais ficar paneleiro dos olhos…mas não vais dizer naaaadaa!!....
- Nãããoooo… vodazze, queres contar ou não?...
Tal e qual como hoje.

Ao fecho da Taberna

Os que saíam de bicicleta. Pegavam na “burra”, miravam-na… e para a montar já era difícil, depois uma guinadela para um lado, outra guinadela para o outro (pipo equilibrado) e lá iam, sabe Deus como !!!… mas iam...

Os das motorizadas (Casal ou Famel / Zundapp) tinham outro ritual, eram um bocadinho mais sofisticados: tentar sentar, equilibrar e dar ao clix (por a “gaja” a trabalhar), retirar o descanso e acelerar a fundo, era um basqueiro, bbrreinn…bbreinn…bbrrein… bbrreiiiiiiiiiiiiinnnnn… pensava um gajo que ia sair dali um arranque á “Fangio” e na hora do arranque, ia tudo a baixo…oooonnnnn…oonn…oonnn…oonn… depois, mais outro basqueiro, brreinn…bbreinn…bbrrein e lá arrancavam aos soluços…ou muito rápidos, lá mais adiante falhavam a mudança e aquela merda até parece que entupia…urhummmmmm…um espectáculo… o resto da maralha, á porta da taberna (já fechada), eram observadores atentos, a rir, a mandar umas bocas, lembro-me desta: “abre os olhos mula que a carroça vai cega”), e alguém diz:
- Bem malta vou-me embora que amanhã é dia de pica boi!
Íamos todos.

(Hoje não é muito diferente, só que as"tabernas" tem ar condicionado, televisão a cores e net, para estar no "feiças".)

2 comentários:

lucia batista disse...

Esta escrita merece comentários. Estranho não ver nenhum,será que pura e simplesmente não foram aceites?
Pode ser pura coincidência, mas estes textos são dignos de "crónicas".

Anónimo disse...

Já passou algum tempo e, pesquisando sobre tabernas, aqui vim parar. É um bom texto sim, sentido e cheio de verdade. Mais aprendi e mais informação recolhi para um projeto que gostava de realizar. Que saudades estas tabernas deixam a quem as conheceu. Abraço.