Caminho Português - Valença / Santiago 2006


  • Percurso: Caminho Português de Santiago–Valença / Santiago

  • Período: 2, 3, 4, 5, 6 e 7 de Setembro de 2006

  • Distancia: 108 Km (associação amigos caminho de Santiago)

  • Transporte: Comboio - Aveiro/Valença e Santiago/Aveiro

  • Peregrinos: carmen+isabel+sandra+luísa+tozé+zé.
  • Fotografias: hão-de vir a seguir...
    (Para rentabilizarmos o tempo, alteramos as etapas e não seguimos o proposto  para o Caminho Português. Assim o primeiro dia foi curtinho e o segundo dia uma eternidade... )
  • Etapas

  1. Valença – Porriño

  2. Porriño – Pontevedra

  3. Pontevedra – Caldas de Reis

  4. Caldas de Reis – Teo

  5. Teo - Santiago

Um bocadinho na história

Santiago de Compostela é por excelência o padroeiro da Península Ibérica, pois segundo a lenda católica foi o apóstolo que procedeu à sua evangelização.
 Os nossos monarcas demonstraram também uma devoção pelo santo, D. Afonso II peregrinou a Compostela em 1220,  em 1225 foi a vez da Rainha Santa Isabel.
A ordem Militar de Santiago, criada para combater os muçulmanos, foi fundada em 1170 pelo rei Fernando II (de Castela) e foi introduzida em Portugal no ano de 1172. Santiago foi protector do exército português até à crise de 1383-1385, altura em que foi substituído por São Jorge, por influência Inglesa, e pela necessidade de chamar por um santo diferente dos partidários de Castela.
Apesar desta mudança de patrono, o culto de Santiago não desapareceu. A prová-lo estão as inúmeras misericórdias, albergarias, hospitais, igrejas e ermidas dedicadas ao Apóstolo Santiago espalhadas pelo país. As próprias lendas jacobeias estão intimamente ligadas ao nosso país – por exemplo a lenda da galinaha em Santo Domingo de la Calzada e a lenda do Galo de Barcelos contam a mesma história.
Seguindo o ditado do caminho de Santiago, este começa ao sair de casa, assim, embora não haja caminhos marcados para Santiago, a exemplo do que acontece em Espanha, o caminho Português para Santiago mais utilizado é o caminho do interior que sai do Porto e que está devidamente sinalizado.

Escolha da época

Escolhemos o mês de Setembro por causa das temperaturas amenas e agradáveis, esquecemo-nos da intervenção do “Homem” no planeta que alterou isto tudo e apanhamos temperaturas fantásticas superiores a 35º C, todos os dias.

Rituais da manhã e da noite

Dormia vestido, com a roupa para o dia seguinte. A higiene da manhã fazia-a à noite, assim ao acordar estava prontinho para, após lavar os olhos, preparar o meu café instantâneo, com açúcar instantâneo e agua quente do chuveiro / lavatório, ou aquecer no fogão, caso houvesse, comer um pão do dia anterior ou umas bolachas e fumar um saboroso ventilinho… sei que não o devia fazer, mas é o que está… À chegada aos albergues, a sanita era algo muito agradável, tanto para sanitar como para actualizar o diário… acontecia, por vezes, que com estas modernices temporizadas da agua e da luz, os sensores não reconheciam o escritor sentado na sanita e ao fim de um tempo não havia luz, então, um gajo tinha que se levantar e gesticular com os braços de modo ao sensor ver que havia ali gente e voltar a dar luz … ou então esperar que alguém entrasse… tanto a sanitar como a escrever convenhamos que a coisa não era fácil… após a sanitadela um banho retemperador, também temporizado e tratar dos pés… Saíamos para jantar quase sempre com “um andar novo”… parecíamos que estávamos a dançar hip-hop mas em slow motion. Após a janta, no albergue, fazia a higiene da manhã e toca a descansar… Estes rituais diários e nocturnos eram devidamente acompanhados com variadíssimos sons, brisas e ares, originados ou pelo sistema respiratório de cada um ou pela boa cozinha galega ou pelo gás das cañas…

Acolhimento no caminho
Durante o caminho sentimos sempre o apoio e carinho com que éramos contemplados pelas pessoas que encontrávamos. Ofereciam-nos fruta, água, desejavam-nos um bom caminho e…“quando lá chegarem dêem um abraço ao apóstolo por mim”…

...de cada dia
Do mesmo modo que um jogador de futebol dedica um golo a um amigo ou familiar, um actor dedica o Óscar a um amigo ou familiar, um ciclista dedica a vitória da etapa a um amigo ou familiar, eu, no meu caminho peregrino, oferecia esse dia ao apostolo por uma causa social ou pessoal. Por exemplo houve um dia que foi o dia de todas as Mães e da minha Mãe… e todos os dias eram dias dos meus três companheiros permanentes, que, embora em casa, seguiam nas minhas pegadas...

Valença – Porriño
A viagem de comboio até Valença foi fixe, é sempre fixe andar de comboio, ver as estações, observar as pessoas que chegam, as pessoas que partem… Em Valença fomos desencantar o sacristão a um restaurante, onde fazia uns trabalhos extra como complemento à logística da fé. Apanhado o sacristão, postos os primeiros carimbos nas credencias comemos umas sandochas, tiramos uma fotografia de família, com um ar que nem vos conto… mais parecíamos que estávamos a chegar do que a partir… Passados aí uns 30 metros eu e o primo já estávam num beco sem saída, aproveitamos e fizemos uma mijinha lá para baixo, com arco e tudo…
Em Tui conhecemos os amigos da RAR, acho que é só um, enquanto o sacristão da catedral veio cá fora com o carimbo. Pois havia casório e não podemos entrar… Com uma temperatura agradável de uns 35º e uma recta fantástica de uns 5 km, chegamos ao albergue de Porriño (muito bom), mas para que a coisa ficasse completa o albergue estava fechado, fomos buscar a chave à protecção civil, entramos e ouvimos:
- Eu vou-me embora, sei das minhas capacidades e não aguento mais… Já disse, vou-me embora não aguento mais…vou ligar á minha mãe e daqui a um bocado ela tá aí e vou-me embora…e bufava…
- Pronto tá bem,...
Fomos tomar banho tratar dos pés, descansar, comprar o jantar e o vinho, “com pão e vinho se faz o caminho” ditado do caminho. Após o repasto, com um sorriso tanino e uma nova alma, fomos, todos, verificar o que tínhamos trazido a mais e que não ia ser preciso… bem… nem imaginam a quantidade de tralhas que deixamos lá, com o prior de Porriño…. (no regresso fomos buscá-las) …

Porriño – Pontevedra

Estávamos todos mais leves. Um senhor, penso que português residente em Porriño, ofereceu-nos uma cabaça (símbolo peregrino) … uma atitude bonita e motivante de alguém que dá algo de si para o conforto dos outros… entre bons momentos, agradáveis paisagens e umas cañas, porque o calor continuava fantástico, chegamos a Redondela. Almoçamos no Migas, bonito restaurante e ca ganda almoço, entrecosto grelhado com batata frita, pão e alvarinho fresquinho… e a Espanha era campeã do Mundo em basquetebol… e em directo…

Depois, de pança cheia e com a continuação de um magnífico calor, partimos (tipo Afonso Henriques) na conquista das serras de Espanha e da contemplação da Ria de Vigo. A etapa foi longa e dura, ajudámo-nos na partilha dos pertences, do esforço e das dores. O Primo saiu disparado, tipo ciclista quando sai do pelotão, para garantir o alojamento no albergue e avisar da nossa chegada para tarde e assim foi, bateu tudo certinho chegamos já tarde…

 Tomamos banho, tratamos das dores e do corpo, conhecemos um grupo de escuteiros (pioneiros de caminha) onde havia um elemento muito engraçado o Vilela ou Vizela. Conhecemos, a Encarnacion, uma espanhola de meia-idade, que caminhava sozinha e já tinha feito o Caminho Francês e o Aragonês… voltámo-la a encontrar em Teo. Fomos jantar a um restaurante italiano, comemos bem e bebemos melhor, convêm para não desidratar…regressamos ao albergue e mesmo com os roncos de uns e de outros (eu incluído) dormimos até à hora marcada.

Pontevedra – Caldas de Reis

Ao retomar o caminho fizemos uma curta e rápida visita à Igreja Peregrina, onde é feita referência à Rainha Santa Isabel, a nossa rainha das rosas e dos pobres, que foi peregrina a Santiago no ano 1225 e ao convento de São Francisco, do pouco que vi, despertou-me a curiosidade de lá voltar, para, e, com calma apreciar a cidade, em particular a zona histórica.

De cabeça bem levantada, firmes e hirtos, partimos para a etapa até Caldas de Reis e a adivinhar mais um dia com um calor fantástico…Por entre aldeias, agradáveis paisagens, linhas de água e o cheiro a incêndios chegamos a uma terrinha, que não me lembra o nome, cheinhos de calor, cansaço e fome… Fomos almoçar a um restaurante de nome Eira, agradável, em granito e fresquinho mas só serviam as refeições a partir das 13h, como eram para aí 12h40m decidimos comer tapas de presunto, queijo, chouriço, pão e vinho alvarinho….meus amigos nem vos digo nem vos conto quanto nos soube bem aquela dádiva dos Deuses… dádiva, mas tivemos que pagar.

Com 36º C exteriores ninguém queria sair, mas o apostolo estava à nossa espera, retomamos o caminho com uma velocidade, um entusiasmo e um dinamismo que aquilo só podia ser da fé ou do alvarinho…quer dizer, acho que era só do alvarinho, mas fica bem a gente dizer também da fé… é religiosamente correcto… Entretanto o alvarinho foi-se evaporando começaram a surgir algumas mazelas e efeitos secundários, dividimos o grupo em dois para garantir alojamento em Caldas de Reis.

Neste trajecto as minhas velhinhas botas dos escuteiros (10 anos) pifaram, a sola interior partiu… Chegamos a Caldas de Reis, estância termal, fomos carimbar as credencias na Policia Local, como o albergue estava fechado, não me lembra porquê, fomos dormir para o hotel “Pavilhão Municipal” mais a escuteirada de Caminha, que já tinha chegado.

Visitamos a cidade, fomos às compras e jantamos hambúrgueres, estava uma noite bastante quente e por isso mesmos fomos todos enfiar os pés no tanque termal com a agua aí a uns 40º… mal parecia… não aquecer os pés… Recolhemos ao quarto comunitário e foi um fartote de riso… eu e o primo voltamos a sair para ir beber umas cañas “super bock” a uma esplanada no jardim, no regresso conhecemos dois espanhóis que andavam ao contrário de nós, começavam a caminhar ao meio-dia e chegavam ao destino já noite dentro… ao chegar ao quarto municipal mais risada, roncos, sons, ares e toca a descansar…

Caldas de Reis – Teo

Saímos de Caldas de Reis ainda noite, é giro caminhar de noite e irmos saboreando as formas e as cores dos caminhos e dos lugares, à luz dum sol que se espreguiça diante dos nossos olhos…Continuamos o caminho incentivados por pessoas anónimas que pareciam estar ali a mando de “alguém” para aplaudir com gestos e palavras o nosso esforço e passagem… Chegamos a Padron, com um calor fantástico, 38º C. Saboreamos as sombras da praça até entrar na Igreja de Santiago De Padron, onde, dizem, está a pedra onde atracou a barca que trazia o corpo de Santiago. Carimbamos as credencias e conversamos com o sacristão e a mãe deste, o primo traduzia aquele enrodilhado de palavras galegas ditas a uma rapidez fenomenal…

Almoçamos na praça, o restaurante ficava do outro lado da estrada, o empregado parece que foi escolhido pelo apostolo para nos receber, atendeu-nos, serviu-nos, aconselhou-nos e além disto tudo trouxe um vinho verde fresquinho que… que…que…que… Fim de almoço tudo esticado nos bancos, não corria uma brisa, o banco para mim era curto estava a ficar incomodado, fui dar uma volta e encontrei um bar com ar condicionado, zás enfiei-me lá dentro e bai uma caña, fui buscar a cunhada da prima, irmã do primo e mais uma caña….

Com aquela mania da siesta puseram-nos na rua com um calor de 38ºC às 16h00…isso não se faz ao peregrino… Passamos pelo centro de saúde para ver os pés da prima, não chegamos a ver os pés, porque a prima já tinha saído…pegamos em nós, nas mochilas e partimos…continuamos a observar o caminho, as aldeias, os monumentos e saudando quem passa…chegamos ao albergue de Teo já noite. Lá estava a Encarnacion. Conhecemos um brasileiro que fugia de uma brasileira.

Um albergue bonito, amarelo, novo e com espaço envolvente agradável…e não havia mais nada. Fomos a um loja/taberna, compramos vários enlatados, pão e vinho, chegamos ao albergue tudo para um tacho, tacho ao lume, tacho na mesa e num abrir e fechar de olhos estávamos tachados… tal era o apetite e a arte do cozinheiro. De manhã ao preparar o café saiu um som falatelaico, tão potente e sonoro que o autor do som assustou-se, olhou para o lado e saiu porta fora com o café na mão… efeitos da boa conserva galega…

Teo – Santiago

A irmã do primo e cunhada da prima fazia anos, demos os parabéns, os beijos e os abraços e partimos a desafiar o sol para o dia tão esperado… cheinhos de pressa, levamos o que sobrou de vinho e de pão para quando avistássemos as torres da catedral, no cimo do monte xxxxx, simbolicamente repartíssemos o pão e o vinho….azar estava nevoeiro… mas mesmo com nevoeiro e muito esforço ocular conseguimos descortinar uma pontinha da torre…se não nunca mais malhávamos o vinho e podia azedar… Continuamos a caminhar e quando vimos a catedral foi uma alma nova… tá quase…em Santiago entramos na Porta da Feixeira, entrada do caminho Português, parámos, trocamos manifestações de alegria e de emoções, fomos até à fonte, na Praça das Praterias, onde um dia sonhei chegar com uma mochila às costas, contemplei e interiorizei o momento, lavamo-nos, fomos cumprir o ritual do peregrino e, num abraço sentido agradeci ao Amigo, o ter chegado ali, o estar ali…

Santiago de Compostela
Depois de tantas emoções fomos à Oficina do Peregrino levantar a Compostela, fomos à missa do peregrino 12h00. Depois de beber umas cañas à nossa saúde e à aniversariante, a cunhada e irmã dos primos, almoçamos, passeamos, compramos recuerdos e fomos para o albergue Seminário Menor… “peregrino não exige, agradece”… sei perfeitamente que assim é, e se estivesse em caminho, provavelmente teria ficado, como não estava preferi a liberdade e o frio das pedras da estação dos comboios de Santiago de Compostela. Santiago de Compostela é o lugar, que conheço, mais representativo da liberdade, igualdade, espiritualidade e união entre os povos…

O Regresso
De comboio, como eu gosto, regressamos, sem antes ir a Porriño buscar os excessos do primeiro dia, vínhamos satisfeitos e enriquecidos, por cada um, no seu caminho, ter concretizado um sonho ou um objectivo. Entre Valença e o Porto a Isabel recebe a noticia que o estado de saúde da Mãe se tinha agravado, estava doente à bastante tempo… Segundo a Isabel, “a minha mãe esteve à espera que eu fizesse o caminho de Santiago, pois sabia que era um sonho”. Íamos lá todos os anos… Que esteja em Deus e que nos ajude no caminho…

Com a família em casa
Como é da família, fica na família. No entanto posso dizer que cada membro da família pôs o último carimbo na credencial, com o dedo indivador e tinta, tal como se faz no BI.. Este testemunho e este blogue só existem porque na minha família respeitamos, incentivamos e damos vida aos sonhos e projectos de cada um. Obrigado Neca, Filipe e Francisco.
até já...



2 comentários:

Anónimo disse...

Foge!... Então quando é que aparece aqui o Caminho???

Isabel Bolhas

Anónimo disse...

Tu não tens vergonha de não saber por fotografias????
Bom, mas está porreiro, já não era sem tempo de estar aqui o caminho. Bem, tens de me explicar o que é "som falatelaico"???
E na última etapa, quando se vê as torres da catederal pela primeira vez, esse sitio chama-se "Agro dos Monteiros" e não montexxxx...
Agora meu lindo só falta Santiago-Finisterra...

Isabel "prima"